segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Nael Rosa anuncia livro que vai contar sua vida: “A fome é uma sensação horrível. Senti muita”


O pelotense Nael Rosa, 48 anos e que veio para Pinheiro Machado aos quatro anos, cidade de sua família, anunciou por suas redes sociais que está escrevendo um livro em que vai narrar, entre tantos episódios, a extrema fome que passou no entre 1995 e 1997, época em que tinha dois filhos, crianças ainda de colo e que foram deixadas com ele após a mãe dos mesmos decidir que iria ir embora, “ganhar o mundo”, como ele mesmo classificou ao falar ao Pinheironline. 

Nael, que atuou por 18 anos na Rádio Nativa de Piratini como locutor e de onde saiu em janeiro de 2019, decidiu que um resumo das histórias a serem contadas no livro que se chamará: “Da Senzala à Casa Grande”, será postado no Facebook, o que, conforme sua opinião, servirá para despertar a curiosidade dos leitores a adquirirem a obra quando esta for lançada. “Ainda estou pensando.

Mas acho que começarei a contar o que passei a partir dos 14 anos, idade em que comecei a trabalhar na zona rural e onde o patrão praticamente só me dava a comida. Neste caso, foram dois anos sendo explorado e, entre tantas situações, lembro que eu tinha que ir buscar as vacas às sete da manhã para que o leite fosse tirado. 

O problema é que eu só tinha um chinelo, do tipo Havaianas e, como era inverno, julho, agosto, enfim, o pasto estava branquinho de geada e meus pés congelavam, ficavam roxos por causa do frio. Aí, o que eu fazia? Olhava o esterco que as vacas recém tinham feito e estes saíam uma “fumaça”, portanto, eram quentes. Para aliviar o frio eu então enterrava eles (pés), no esterco. Era um alívio”, relembra Nael, que é há dez anos é proprietário do site Eu Falei Piratini. 

Segundo ele, a obra conta ainda a miséria em que viveu com o casal de filhos e a fome que o repórter passou por várias oportunidades durante dois anos. “Meus filhos são bajeenses e fruto de um relacionamento que tive ao servir ao Exército, portanto, aos 18 anos. Quando a mãe deles decidiu ir embora e deixa-los comigo, eu lembro que, na tentativa de conseguir algo para comermos, eu pegava os dois, punha no colo, um em cada braço, apanhava uma bolsinha de bebê onde carregava duas mamadeiras que nem sempre tinham leite, ia para o trevo de Bagé, na BR 293 e pedia carona para chegar a Pinheiro. Sempre conseguia, pois os motoristas paravam porque ficavam com pena de ver um homem com dois pequenos no colo à beira da estrada”, conta Rosa. “ A fome é uma sensação horrível. Senti muita, lembro ainda que, em 1995, eu tinha uma namoradinha, nada sério, chamava Tati, Tatiane, eu acho, pois nunca perguntei seu nome.

Eu sem trabalho, pois a colheita do milho era apenas no inverno e pagavam muito pouco, tinha terminado. Sem dinheiro para comer, eu procurava ir na casa da Tati perto do meio dia, hora do almoço, para ver se tinha sorte de ela me convidar para almoçar. Os pais dela que não gostavam de mim, haviam saído para trabalhar, aí eu chegava, ela perguntava: “Quer almoçar”?. A barriga roncava de fome, mas eu ficava com vergonha e respondia: “Não, obrigado, já almocei”. Acabava inventando uma desculpa e ia embora, louco de fome”, relembra. 

Por fim, ele justificou o nome do livro: Da Senzala à Casa Grande”, uma analogia aos tempos em que o preconceito racial era imensamente maior e, de certa forma, separava negros e brancos no município. “Não posso dizer que era proibido. Longe disso. Mas, ainda nos anos 90, o Clube Comercial não era frequentado por negros. 

Acho que negros não se sentiam bem ou, na minha opinião, não seriam bem recebidos na entidade, ou ainda não se sentiriam bem se fossem até o clube, pois este era o local onde só iam pessoas brancas e da classe média ou alta, os endinheirados de Pinheiro. 

Lembro que somente três negros entravam no clube: Eu, que passei a ajudar a fritar batatas, a cozinheira, que quase não saia da cozinha, e o porteiro, que trabalhou por muitos anos na função”, relata Nael Rosa, que acrescenta: “No Comercial, eu comecei limpando o pátio. Recolhendo o lixo gerado pelas boates para jovens e que eram realizadas aos fins de semana. 

Depois, fui ajudar na cozinha. Um dia faltou alguém para entregar as bebidas durante os bailes, aí então, fui para a copa. Mas não passava dali. Um dia, faltou garçom no salão principal onde eram realizados os jantares do Lions Clube, e eu então, fui promovido (risos) e, finalmente, conheci o salão, ambiente em que eu não me sentia nada bem, pois negro, humilde e vivendo de bicos, nem tinha roupas para estar entre os da alta sociedade, mesmo que somente estivesse servindo a comida e as bebidas a eles”, recorda o radialista. 

Conforme o autor, o título do futuro livro quer dizer que ele foi da senzala, o pátio do clube, para a casa grande, ou seja, o salão do Comercial, local onde mais tarde ele adquiriria o direito de sentar à mesa com os convidados dos jantares, pois passou a ser repórter do então Jornal Folha da Cidade, o que aconteceu no ano de 1997. 

Mas como observa ele, passou pela limpeza da fossa da entidade, o que ele fez e ganhou para isso R$ 50,00, quase 70% a mais do que ganhava para limpar o pátio, detalhes que só serão revelados no livro que, segundo ele, pretende lançar em 2022.

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