segunda-feira, 7 de abril de 2025

"A batalha mais difícil após aceitar Jesus, não foram às drogas, foi o Carnaval”, confessa Preto

Reportagem: Nael Rosa

“Ele nasceu onde não nasci, mas cresci: em meio à prostituição, violência e tráfico de drogas, ou seja, vivendo neste ambiente nocivo, bem como seus outros 11 irmãos e da mesma forma que eu e meus quatro irmãos, tudo apontava na direção da cadeia ou do fim trágico, resumindo: nas nossas trajetórias, os certos capítulos infelizes, mas, do caminho percorrido, fazia parte alguém capaz de mudar, tanto a minha, quanto a história dele e de qualquer outro homem nesse plano: Deus!”

Nael Rosa fez questão de dar esse depoimento pessoal ao falar de seu entrevistado, com quem conviveu por décadas na Rua Tiradentes e, mesmo que ambos tenham tomado direções distintas, ele afirma: “escrever sobre o Preto e sua guinada na vida, foi um prazer, uma missão e um presente que o Criador me deu!”

O site Eu Falei Repórter News, parceiro do Blog Pinheironline, resume as quatro décadas e meia de vida de Cristiano Soares, o Preto, que, até 2006, era um dos primeiros a chegar, nunca sem seu cantil preso à cintura, à concentração do Bloco do Boi, o mais antigo e tradicional burlesco do Carnaval de Pinheiro Machado- RS, onde, entre um gole e outro ou um “pega” e outro em um baseado de maconha, calibrava seu “surdão, no Campo do Comercial, a não mais que 100 metros da Rua Tiradentes, infelizmente, ainda hoje, a referência negativa na chamada Capital da Ovelha.

A paixão pela folia de momos era tanta, que ele confessa ter sido este seu maior desafio quando optou, após, como ele mesmo cita, envergonhar e submeter sua esposa Lurdes e seu filho Salatiel, à humilhação da revista íntima realizada no Presídio Regional de Bagé, quando ela, inclusive, foi levar o caçula para que ele conhecesse um mês depois que o menino nasceu.

“Sim: não foram álcool, drogas e futebol, coisas que eu gostava de fazer ou usar. Foi o Carnaval minha guerra interna. Lembro que, já decidido a me batizar na Igreja Evangélica Nova Jerusalém, minha carne tremia ao ouvir a batida nos instrumentos. Eu ouvia uma voz que dizia: “levanta e vai, é só mais uma vez”. Travei uma luta nada fácil de vencer. Teve uma noite que convidei a Lurdes para comer um lanche em um trailer ao lado do hospital, na verdade, apenas queria passar pela praça onde festa acontecia”, revela Preto, que continua a narrativa, acrescentando como acredita que Deus interferiu para que não houvesse a recaída:

“estava tudo pronto para o desfile, mas aí veio um aguaceiro e, com a chuva, o desfile foi cancelado. Resultado: fomos parar numa vigília, uma madrugada de orações na igreja.”

Como um dia cantou Gildo de Freitas na emocionante “História dos Passarinhos”, Preto, um cozinheiro de mãos cheias, profissão que já atuava quando, em julho do ano citado acima, dispensou os 250 gramas da droga no vaso sanitário dos banheiros onde aconteciam as chegadas e saídas de ônibus na cidade, também gostava de manter os bichinhos presos, o que mudou naquela primeira e única noite até então, em uma das celas da carceragem, quando tomou a decisão: havia chegado a hora de mudar.

“Como não me encontraram com a droga no primeiro momento e eu era primário, houve o relaxamento da prisão no dia seguinte, mas ali sem minha liberdade, refleti e vi que não mais queria mais aquela vida, não valia à pena. Senti o que os passarinhos sentem quando perdem quando são aprisionados”.

Mas ele precisava se submeter à Justiça do homem, pagar pelo erro e, já batizado, três anos e meio depois do crime, em 2009, veio à sentença e toda sua consequência.

“Saber que não só minha esposa, que nunca gostou de drogas e me pedia a todo o momento para eu deixar aquela vida, mas também meu caçula, tinha que ficar nus para poder me ver no presídio, me fez ver o quanto eu havia os envergonhado, mas até cair, pois todo malandro um se atrapalha e um dia cai, não o tinha noção que poderia ser o responsável por tanta humilhação a eles, o que aconteceu devido ao vício, já que a maconha que me levou para a cadeia era pra o meu consumo. Sim, há essa mancha na minha vida, mas também entendo ter sido necessária para que eu aceitasse Jesus em meu coração”, opina o cozinheiro, que, dos quatro anos da condenação, ficou sete meses em regime fechado, indo para o semiaberto a seguir.

Um dos orgulhos que o ex-presidiário traz consigo está direcionado à educação dada aos dois filhos, Salatiel de 14 anos, e Lennon, de 27: impedir que eles reproduzam o que ele fez no passado, dando aos seus, algo que, no ambiente tóxico da infância, adolescência, juventude e parte da fase adulta, não teve, mas que poderia impedir o mau passo.

“Nunca matei ou roubei, sempre fui um trabalhador, mas me droguei, fui preso e, tudo que passei e fiz também meus filhos passarem, sei que não vai ocorrer com eles que, graças a Deus, são boas pessoas, não nos deram e não dão nenhum trabalho, mas o que faltou a mim e aos meus irmãos: orientação.”

Por fim, Preto, que hoje está em outra congregação religiosa, sendo um dos preletores durante os cultos, faz uma afirmativa diante do que sente ao ouvir e cantar os louvores executados na Igreja Manah Celestial:

“Também nos momentos dos louvores, sinto a presença de Deus, ali comigo e na minha vida, a mesma que foi a responsável por preencher aquele vazio, aquela tristeza que eu carregava comigo ao adorar coisas ruins. Enfim: se eu soubesse que era tão bom, não tinha demorado tanto para dobrar meus joelhos e, muitas vezes após um dia ruim, sair dos cultos renovado. Mas tudo bem: o que passei e sofri, fiz os meus sofrerem e passarem, foi necessário para o meu renascimento.”

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